Explorando o Mundo da Afantasia: Dois “Olhos da Mente” Cegos

Nos últimos anos, a pesquisa sobre afantasia tem ganhado destaque ao descrever a incapacidade de formar imagens mentais ou ter uma “mente cega” (Zeman, Dewar, & Della Sala, 2015). Cerca de 2-3% da população sofre com afantasia, um fenômeno que despertou interesse científico e midiático em torno das diferenças individuais na imaginação. Estudos avançados têm investigado as diferenças entre pessoas com afantasia e hiperfantasia (indivíduos com imaginação extremamente vívida, Cossins, 2019; Zeman, MacKisack, & Onians, 2018), levando à proposta da hipótese dos “dois olhos da mente cega”.

A hipótese dos “dois olhos da mente” baseia-se na distinção estabelecida entre o processamento visual-objeto e visual-espacial. Contrariando a ideia de que a imaginação é uma faculdade mental unitária, evidências substanciais apontam para uma distinção entre a imagem visual-objeto (visualização mental de propriedades pictóricas como cor, forma, brilho e textura) e a imagem visual-espacial (visualização de locais, relações e transformações espaciais).

Pesquisas recentes sobre afantasia revelaram que pessoas com baixa vivacidade em imagens (objetos) associam-se a dificuldades de memória autobiográfica severamente deficientes, prosopagnosia, redução na precisão da memória visual de trabalho, entre outros. Surpreendentemente, a pesquisa indicou que os indivíduos com afantasia não relatam necessariamente déficits na imaginação espacial. Pacientes com afantasia foram capazes de realizar tarefas de rotação mental de formas geométricas 3D, evidenciando que, embora tenham baixo poder de visualização de objetos, podem preservar a capacidade de imaginação espacial. No entanto, estudos ainda não exploraram a possibilidade do caso oposto: a completa ausência de imaginação espacial.

A hipótese de “afantasia espacial” (a incapacidade de visualizar mentalmente relações e propriedades espaciais) sugere que essa condição pode ser separada do tipo comumente descrito de déficit de imaginação. A pesquisa explora a variabilidade na experiência de imaginação, demonstrando associações entre vivacidade imagética e desempenho cognitivo, como a identificação de objetos incompletos, detalhes de imagens, memória de detalhes pictóricos, e detecção de mudanças salientes. Estudos sobre hiperfantasia indicam que indivíduos com imaginação extremamente vívida possuem desempenho diferenciado em tarefas cognitivas e são frequentemente associados a domínios artísticos.

A discussão se estende para o campo da psicometria, que destaca a importância da distinção entre os estilos cognitivos visualizadores e verbalizadores na avaliação das habilidades de visualização. A medida da visualização espacial tem sido considerada um preditor importante de desempenho em tarefas do dia a dia e em áreas profissionais, como ciências, engenharia, arquitetura, entre outras. A pesquisa sugere que a compreensão das diferenças entre afantasia espacial e de objetos pode ter implicações significativas na vida diária e em campos profissionais, como ciência, arte, tecnologia e matemática.

A identificação e estudo dessas diferentes formas de cegueira mental podem levar ao desenvolvimento de práticas e técnicas de treinamento de visualização personalizadas, impactando positivamente a qualidade de vida das pessoas com afantasia. Em suma, a pesquisa atual sobre afantasia destaca a necessidade de investigar mais profundamente as possíveis formas de cegueira mental e suas implicações, abrindo caminho para um maior entendimento das peculiaridades da imaginação humana e de como tais diferenças podem afetar as experiências cotidianas e profissionais.

Esse novo olhar sobre afantasia não só desafia concepções preexistentes sobre a natureza da imaginação, mas também aponta para novas direções na pesquisa cognitiva e neurológica, prometendo avanços significativos no entendimento das complexidades da mente humana. Por fim, ao explorar as nuances da afantasia e suas possíveis ramificações, a ciência se aproxima de uma compreensão mais abrangente das capacidades mentais e da variabilidade individual na experiência humana.

Referências

Zeman, A. Z., Dewar, M., & Della Sala,S. (2015). Lives without imagery — Congenital aphantasia. Cortex, 73, 378–380.

Cossins, D. (2019). Inside the mind’s eye. New Scientist, 242(3233), 38–41. doi:10.1016/s0262-4079(19)31036-x

Zeman, A., MacKisack, M., & Onians, J. (2018). The Eye’s mind Visual imagination, neuroscience and the humanities. Cortex, 105, 1–3. doi:10.1016/j.cortex.2018.06.012

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